terça-feira, 23 de junho de 2009

Além de um simples pedaço de papel (ou Eu também quero ser presidente do STF)



Recebi um e-mail da colega e amiga, a jornalista Rosayne Macedo. Prefiro chamar de "Carta da Rô" esse manifesto emocionado em defesa da nossa profissão.

"Amigos queridos e colegas de profissão,

Segue um pequeno desabafo sobre o absurdo da não-obrigatoriedade do diploma (digo formação) para o exercício da profissão de jornalismo (partes publicadas no site Comunique-se).

bjs a todos.

Além de um simples pedaço de papel (ou Eu também quero ser presidente do STF)

O que direi a minha filha (hoje com 3 anos e meio) daqui a alguns anos sobre a profissão que escolhi aos 17 anos? Me formei em 1990 (então com 21 anos) na Faculdade de Filosofia de Campos, um orgulho para minha família de poucos letrados, em Itaperuna (onde, guardado num fundo de armário, se encontra o meu suado diploma de jornalista). Passei 6 anos em Macaé e cá estou, há 12 no Rio (claro que vão acertar de cara a minha idade... isso mesmo, já vou fazer 40!!!).

Mais recentemente, me especializei em Gestão do Conhecimento pela Coppe/UFRJ e, em seguida, em Comunicação Empresarial. Depois de anos nas mídias tradicionais, estou "do outro lado do balcão", em assessoria de imprensa, mas sem dúvida os conhecimentos que aprendi no curso de Comunicação Social (habilitação Jornalismo) foram a base de sustentação não apenas em minha trajetória profissional, mas para alicerçar os valores éticos e morais que emprego no meu dia-a-dia como cidadã.

Considero que esta decisão do STF é uma afronta aos milhares de jornalistas nas redações ou assessorias, que cursaram 4 anos de faculdade, se empenharam, aprenderam não só as técnicas jornalísticas para desenvolver a habilidade de transformar fatos e acontecimentos em notícias, mas também sobre ética, política, história, antropologia social, história, sociologia, filosofia...

É claro que, como em todo ofício, seja ele com ou sem nível superior, há os bons e os maus profissionais... Entre os jornalistas, há os que manipulam a verdade, falseiam fatos e dados, inventam "personagens" e fontes em "off"... Muitas vezes em troca de benefícios pessoais ou em nome da famigerada linha editorial dos veículos... Mas os bons e honestos profissionais não podem pagar pelos maus...

Tudo bem, "médico pensa que é Deus e jornalista tem certeza", mas não é acabando com a exigência do diploma que se vai demolir a "indústria de denuncismo", orquestrada nos bastidores do poder, que toma conta dos nossos "meios de comunicação" tradicionais, estimulada por interesses pra lá de escusos.

Essa história de acabar com o nosso diploma também não tem nada a ver com o avanço das mídias sociais, que criaram a figura do "eu-repórter", como muitos querem crer, alegando, por exemplo, que hoje todo blogueiro ou twitteiro é um "neo-jornalista"... Esse movimento (capitaneado pelos grandes grupos de comunicação do país) vem de longa data... Há muito a Folha de S. Paulo já adota esta prática na seleção de diversos cargos de Redação: lá, basta ter curso superior, saber escrever e passar nos testes...No caso da Economia, se for economista então, ótimo!!!

Desde a década de 90, o nosso mercado já andava mal das pernas com as novas tecnologias que eliminaram diversos cargos na mídia impressa e o avanço das mídias sociais, que deram voz e poder de decisão a qualquer cidadão. Aliados ao alto preço do papel no mercado internacional e à redução dos investimentos em publicidade nas empresas, estes fatores ajudaram a esvaziar as redações e empurraram milhares de jornalistas qualificados e experientes para as assessorias, deixando as redações para os novatos ou recém-formados que aceitam ganhar uma mixaria em troca de uma oportunidade de exercer a profissão...

Agora então, vai ter muito jornalista por formação morrendo de fome, implorando por um salário mínimo!!! Afinal, para que contratar e remunerar bem um jornalista qualificado se qualquer um - sem formação alguma - pode desempenhar a mesma função, bastando, para isso, "saber esrever"???

Gilmar Mendes, nosso ilustre presidente do STF, reconhece que "é inegável que a frequência a um curso superior pode dar uma formação sólida para o exercício cotidiano do jornalismo. Isso afasta a hipótese de que os cursos de jornalismo serão desnecessários”... Mas pra que faculdade de jornalismo depois disso??? Para ministrar mini-cursinhos intensivos de 3 meses pra qualquer um virar jornalista???

Essa desculpa de que jornalismo é trabalho intelectual e por isso não precisa aprender na faculdade é balela... Professores, advogados, juízes etc... então, seu trabalho não é intelectual??? Então, acabem com os diplomas deles!!! Eu mesmo, que sou e fui jornalista a vida inteira, posso resolver estudar o Código Civil e Penal e virar advogada? Defender ou acusar um inocente???...

Aliás, pra que diploma pra presidente do STF???

Falando nele, vejam a máxima do nosso ilustre Gilmar Mendes: "Quando uma noticia não é verídica ela não será evitada pela exigência de que os jornalistas frequentem um curso de formação. É diferente de um motorista que coloca em risco a coletividade".
Ora, sem desmerecer os motoristas, será que ele não pensa que um jornalista tem responsabilidade na formação da opinião pública???? E que a opinião pública pode derrubar bolsas, disseminar uma falsa epidemia ou destronar um presidente corrupto???
Infelizmente a classe jornalística é desunida e o caso chegou ao STF... Mas, apesar de irrevogável, como muitos querem crer, esta decisão não vai ficar assim... Em vários estados, já começou a mobilização contra este golpe contra a profissão... Já se pensa em algumas estratégias, como criar um ranking das empresas que contratam jornalistas sem diploma e ajuizar uma ação coletiva com os jornalistas que se sentirem lesados pela decisão. ABI, Fenaj e sindicatos também estudam medidas para minorar os impactos deste golpe contra o exercício legal da profissão. "

2 comentários:

Anônimo disse...

Postei um comentário parecido no blog "A Trolha".

Não é necessário ter cursado Direito para ser Ministro ou Presidente do STF. O que a Constituição exige é "notável saber jurídico", que é um conceito vago, porém, o curso de Direito não é exigido em momento nenhum.
Veja o que diz o artigo 101 da Constituição da República:
Art. 101 - O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Pela redação do parágrafo único, do mesmo artigo percebe-se que é necessário ter "muito QI"
Parágrafo único - Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Nascimento Jr
nascimento.jr@bol.com.br

Anônimo disse...

Tenho muita tristeza no alto dos meus 59 anos presenciar toda essa decadência e falta de respeito com as pessoas que certamente tiveram vocacionadas para se formarem jornalistas e professores.É difícil depois disso explicar para um jovem que busca uma carreira, porque fomos tão "estúpidos" ao escolher as nossas...
Com indignação de um professor e jornalista.