Um Médico
Por :Walter Siqueira
Ele acorda, sem ter dormido. Afugenta o cansaço na xícara de café bem quente – e vai fazer sua missa do cotidiano no hospital; lá na ala dos crônicos que resistem à convenção do tempo de viver, nas dores agudas e nos subjetivos "ais" que os analgésicos não debelaram. É uma prece isolada numa comunhão de aflitos. É um confessionário paciente de inúmeras impaciências. Mas, entrega-se com seu hábito de virtude à procura heróica de repelir a dor e desviar a morte, conquistando o expressivo silêncio da compensação. É uma prece constante na rotina que fatiga.Na premência dos seus compromissos, esquece de tudo. Não vê a flor desabrochar-se no milagre da fecundação. Não vê a seiva misturar-se em néctar. Nem pássaros, nem cantos no alvorecer da primavera, nem espera o sol fulgir na janela do seu aconchego. Põe-se de pé e sai, ao encontro dos que o procuram e à procura dos que não o encontram. É um médico. Tem alma de artista no seu afago. Tem talento de mestre na hora indecisa de cada um. É o decisor na angústia interrogante dos que lhe confiam. É um moderador de aflições e não vê o tempo passar. Reza o seu terço de responsabilidade ante as ladainhas de informações.
Fez um juramento: “Sedare dolorem divinum opus est”... Tem a presença de Deus em cada gesto – nos seus preceitos – na sua filosofia de princípios – e, no entardecer dos tempos, descoloriu-se em constâncias e apegos para cingir-se nos apelos dos que em dores fazem sua passagem.
Walter Siqueira é médico,membro da ACL/Campos, escritor e poeta
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