quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Trem das lembranças


Um textinho com gosto de saudade para esta quarta-feira...
Beijos da Lindinha!

Saudades do trem

Sou filha e neta de ferroviários. Estão aí dois bons motivos para a paixão que tenho pelos trens. Um dia, arrumando gavetas, encontrei uma antiga lanterna de sinalização. O objeto, que pertenceu ao meu saudoso pai, não funciona mais, é dotado de um mecanismo de mudança de cor - verde e vermelho - e era usado como uma espécie de semáforo pelos agentes de estação. Fecho os olhos e quase consigo materializar o trem, imponente, agigantando-se na medida em que avança, equilibrando-se nos trilhos de minhas indeléveis lembranças de infância.

Não foram poucas as vezes que esperei por ele na estaçãozinha onde meu pai trabalhava. Fazia questão de acompanhá-lo, às vezes sob protestos: “Isso não é lugar de menina!”, dizia. Mas eu, sabendo seu ponto fraco, fazia cara de boazinha e ia assim mesmo, sempre nutrindo o desejo de, um dia, poder embarcar naquele grande e barulhento meio de transporte.

E foi para a pequena estação que a locomotiva de meus pensamentos me transportou naquele momento. Final dos anos 70. Longe do apito estridente e do barulho das engrenagens pesadas, apenas o som repetitivo do velho aparelho de telégrafo quebrava o silêncio da estação, no lugarejo onde moramos por algum tempo. Nunca consegui esquecer, nem aquela engenhoca, invenção do americano Samuel Morse, nem o cheiro forte dos dormentes, as vigas que sustentavam os carris das linhas férreas. É engraçado como certas passagens de nossa vida parecem que nunca mais vão deixar de habitar as estações de nossa memória.

A lanterna de duas cores foi o passaporte para minha viagem ao passado. “Como pode um só objeto empoeirado trazer tantas recordações?”. Foi o que pensei diante da velha lanterna que não mais irradiava luz, mas era capaz de acender em minha mente caminhos que me levariam a um período tão especial de minha vida.

Até hoje os trens me emocionam e são capazes de me levar às lágrimas. Talvez aquela menina se recuse a crescer e ainda alimente o desejo de embarcar em aventuras a bordo de uma altiva e fumacenta locomotiva. Sonho cada vez mais distante, já que, em Campos, quase nada se faz para preservar a vitoriosa história dos trens. Escondidos na fumaça do esquecimento, é como se todo o seu passado de glórias tivesse descarrilado e vagasse sem rumo. Pelo menos aqui, dentro de mim, eles continuam ativos... e a todo vapor.

11 comentários:

Rose David disse...

Tocante, seu texto. Lindo, lindo. Terminei embarcando nessa viagem...

Abraços.

Patrícia Bueno disse...

Obrigada, irmã Florzinha. Bem-vinda ao vagão dos sonhos!

walnize carvalho disse...

Ô texto "trem bão" sô!!!!
walnize

Patrícia Bueno disse...

Afilhada! Vc também aqui no vagão? rsrsrs

Anônimo disse...

Também embarquei nesta viagem.
Vieram lembranças de um tempo que não volta mais, tempo onde tínhamos tempo de parar e observar tudo ao nosso redor, tempo de muitos sonhos e onde pouca coisa nos fazia feliz.
Passo diariamente em frente à antiga estação da Leopoldina e 100% das vezes quando olho para aquela escola fico me perguntando como fomos capazes de perder aquele patrimônio, deixar vender, não preservar, não me conformo.
A primeira vez que conheci o Rio de Janeiro, tinha 7 anos e fui com minha tia de Noturno. Saíamos da estação às 23 horas e por volta das 7 estávamos chegando à CIDADE MARAVILHOSA. Quem fez essa viagem sabe dizer o que representou para um menino daquela época com 7 anos, conhecer o Rio e andar no Noturno... Estou emocionado...
Fiz outras tantas viagens para o interior do Espírito Santo e só ficaram ótimas lembranças...
Tinha um Sr. que passava pelos vagões vendendo bom bocado em uma mala de madeira, nunca me esqueci, também nunca provei nenhum .
Adorei seu texto.
Abraços!
Rogério Aguiar

Patrícia Bueno disse...

Rogério, sabe que também tive o privilégio de viajar para o Rio de Noturno? Nossa! A viagem era cansativa, a gente chacoalhava a noite inteira (rsrsrs), mas era comteplado com com belas visões através da janela do trem... Ai, dá uma saudade mesmo! Obrigada por embarcar comigo!
Abraços!

Patrícia Bueno disse...

ops! "contemplado", eu quis dizer... Perdão!

Anônimo disse...

Lindo texto!!! Parabéns por trazer de volta as nossas mentes o poder mágico de retornar ao passado com tanta transparência de imagens. Saudades me deixou...

Ana

Patrícia Bueno disse...

Puxa! Muito obrigada, Ana! Que bom que gostou! Volte sempre à nossa estação...
abraços.

Anônimo disse...

O texto reflete a pessoa snsível e meiga que vc é.

Lindo!!!
Bjs, nato.

Patrícia Bueno disse...

Obrigada, meu amor!